O
ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Mascarenhas Brandão é
totalmente contra a proposta de retirada de direitos trabalhistas, contida em
projeto do governo interino de Temer. Brandão foi um dos signatários de
manifesto recente em que ministros do TST condenaram o projeto de fazer a
negociação entre trabalhadores e empresas valer mais do que a legislação em
vigor. Esse projeto, defendido pelo governo golpista, é conhecido como
“negociado sobre o legislado”.
Porém,
Brandão alerta que existe um “núcleo duro” dentro do Supremo Tribunal Federal
que acredita que o “negociado sobre o legislado” não é inconstitucional. Fora
do STF, outros juristas pensam o mesmo, diz ele.
Tais
juristas usam como base para essa tese o julgamento de um recurso de
trabalhadores do antigo BESC (Banco do Estado de Santa Catarina) contra
negociação coletiva feita entre alguns sindicatos e associações e o próprio
banco. O STF, em 2015, negou o recurso dos trabalhadores, o que teria, segundo
os magistrados antitrabalhistas, garantido constitucionalidade a negociações
que retirem direitos.
O
argumento é falso, como alegam tanto o ministro Brandão quanto o presidente da
Federação Estadual dos Bancários de Santa Catarina, Jacir Zimmer. Mas, em
tempos de interpretação cada vez menos ortodoxa da lei, o melhor é não esperar
do STF uma decisão favorável aos trabalhadores e trabalhadoras caso o projeto
do governo seja aprovado pelo Congresso Nacional.
Primeiramente,
é preciso lembrar que a Constituição, expressamente, estabelece que é
prerrogativa dos sindicatos intermediar as negociações coletivas de trabalho.
Isso quer dizer que nenhum acordo feito diretamente entre trabalhadores e
empresas teria amparo na Constituição. Portanto, o sindicato é a entidade que
concretiza a vontade coletiva.
E ainda
que o sindicato possa, como de fato pode, intermediar, exercer ele próprio
negociações que envolvam condições de trabalho, existe um núcleo previsto pela
Constituição que não pode ser ignorado pelas negociações coletivas. Esse
conjunto de normas diz respeito ao nível existencial, e esse conjunto está
imune à negociação coletiva. Mesmo em situações graves, como as que envolvem
crise econômica, e que envolvam redução de salário, como já ocorreu algumas
vezes no Brasil, esse tipo de negociação é episódica e tem de estabelecer uma
contraprestação, uma outra vantagem, para que o sindicato possa, em nome da
categoria, aceitá-la. Contraprestação por exemplo de preservação de emprego e
vinculada evidentemente a um tempo determinado e a razões objetivas. Então, a
negociação que objetivasse simplesmente reduzir direitos dificilmente
encontraria amparo na Constituição.
Ministro,
essas condições que o sr. cita existem hoje. Mas, caso uma proposta como essa
do governo passe no Congresso, essas garantias que o sr. lembrou deixariam de
existir, ou não?
O fato é
que se essas garantias são previstas na Constituição, elas não poderiam ser
alteradas por intermédio de lei ordinária. É verdade que existe uma discussão
relacionada a um caso de Santa Catarina, relativa a uma norma coletiva que
previa demissão voluntária. Mas essa adesão, que previa normas bem definidas,
previa uma indenização – e eles próprios, empregados, devido a condições muito
vantajosas, aderiram – estabelecia a quitação integral dos direitos decorrentes
do contrato de trabalho. Tudo isso foi discutido, pelo Supremo Tribunal
Federal...
A grande mídia traduz isso como necessidade
de supressão de direitos. E isso não é verdade. O que acho é que deveria haver
uma verdadeira discussão sobre reforma trabalhista, como por exemplo a garantia
de emprego prevista na Convenção 158 da OIT. Já que a ideia é buscar modelos de
outros países, e ter uma legislação mais moderna e mais avançada, é importante
discutir, como disse, a 158 e a Reforma Sindical, pois a estrutura sindical não
corresponde mais à realidade do país
Que caso
foi esse, que empresa era essa?
Foi o
caso de privatização do BESC, o Banco do Estado de Santa Catarina. Foi um
acordo que previa uma indenização bem vantajosa. E o STF julgou esse caso, e o
ministro relator, Luís Roberto Barroso, fez uma declaração alegando válida a
negociação. Então, há quem sustente que, a partir deste julgamento, estaria
validada a tese do negociado sobre o legislado. Então, segundo essa
interpretação, o Supremo estaria autorizando a negociação ampla para quaisquer
direitos que resultassem do contrato de trabalho. Portanto existe hoje uma
corrente que defende que o Supremo autorizou que os sindicatos negociassem
quaisquer cláusulas que inclusive suprimissem direitos, em sintonia com essa
discussão que acontece hoje no Congresso Nacional. Então, há quem diga que o
Supremo teria autorizado essa tese da prevalência do negociado sobre o
legislado. Ou seja, isso não seria inconstitucional, entendeu?
Acho que
entendi. Nessa decisão sobre o Banco de Santa Catarina, o Supremo sinaliza a
possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado, é isso?
Exatamente.
Há quem sustente que neste julgamento, o Supremo, de passagem, teria admitido
este fundamento, ou seja, que os sindicatos teriam uma ampla liberdade de
negociar, em termos de normas coletivas, quaisquer cláusulas relativas à
supressão de direitos resultantes do contrato de trabalho. Teria um núcleo duro
do Supremo decidido a possibilidade de negociar FGTS, assinatura de carteira e
cláusulas de saúde e segurança do trabalho.
Ministro,
isso significa que o trabalhador não deve esperar que o Supremo julgue
inconstitucional uma proposta como essa do governo Temer?
Isso
significa que a palavra final caberá evidentemente ao Supremo Tribunal Federal
e existe a grande possibilidade de ser julgado constitucional. A discussão que viria
depois é qual o conjunto mínimo de proteção trabalhista que seria preservado.
O sr.,
como jurista, o que sugeriria para os sindicatos? Barrar isso no Congresso, não
permitir sua aprovação, ou esperar e recorrer ao Supremo?
Olha, eu
acho que essa discussão no Brasil está permeada de uma visão de que as leis
trabalhistas são algo ultrapassado, da década de 1940, e consequentemente,
estaria defasada em relação ao mundo atual. Por sua vez, isso emperra o
desenvolvimento do Brasil. E por isso seria necessária uma reforma trabalhista.
O sr.
concorda com isso?
A grande
mídia traduz isso como necessidade de supressão de direitos. E isso não é
verdade. O que acho é que deveria haver uma verdadeira discussão sobre reforma
trabalhista, para além dessas questões, como por exemplo, a garantia de emprego
prevista na Convenção 158 da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), que o Brasil ratificou e depois denunciou. Já
que a ideia é buscar modelos de outros países, e ter uma legislação mais
moderna e mais avançada, é importante discutir, como disse, a convenção 158 da
OIT e a própria Reforma Sindical, pois a estrutura sindical não
corresponde mais à realidade do país, ou seja, o Brasil precisa discutir
inclusive a legitimidade dos sindicatos na representação das categorias
econômicas. Hoje existe uma realidade onde são criados sindicatos com o único
objetivo de arrecadar a contribuição obrigatória.
Os
sindicatos de fachada.
É. Este é
um modelo que não se encaixa nem mesmo mais nos moldes que a OIT traça, na Convenção 87. Então eu acho que se a discussão
fosse sincera, envolveria todos esses aspectos. Além disso, deveria resultar de
um amplo debate na sociedade. Mas, na verdade, o que se quer levar ao grande
público é a ideia de que retirar direitos é a solução para a crise econômica
brasileira.
A ideia é
fazer com que nós, trabalhadores, nos sintamos culpados pelo estado geral das
coisas.
Exatamente,
e isso não me parece verdade. Sempre se fala em redução de salário, de
direitos, e isso é apenas a ponta de um grande iceberg. Devemos lembrar que a
Constituição tem um patamar de proteção mínima inclusive para legitimar a
própria negociação coletiva. Existe um mínimo que não deve ser retirado pela
negociação coletiva. E a própria Constituição prevê que negociação coletiva tem
como premissa a melhora das condições de trabalho, o que aponta para aquilo que
a mesma Constituição tem como diretriz maior, que é a melhoria geral das
condições sociais do país.
Para
encerrar. Ministro, o que a classe trabalhadora pode esperar do TST, ou mais
objetivamente, qual o poder real do Tribunal para intervir nesse debate que se
desenha no horizonte?
O
Tribunal não pode agir diretamente nos assuntos do Congresso Nacional. Caberá
ao tribunal depois julgar as controvérsias que vierem a ser levantadas depois
de editadas as novas leis. O TST, o máximo que pode fazer é, se chamado, levar
a sua opinião ao Congresso, em audiências públicas. O que já estamos fazendo é
chamar a atenção da sociedade para as consequências de uma reforma feita de
forma apressada, plantada pela grande mídia. A ideia de que a solução virá da
supressão de direitos, a meu ver, não é adequada. Até porque a crise é
multifatorial.
Fonte: CUT/Nacional